Por Janine Schmitz
Ouço de todas as direções uma infinidade de dúvidas, conflitos e confusões sobre os mais diversos assuntos, sob os mais diversos aspectos, a começar por mim. Diante dessa arena de burburinho vindo tanto da platéia quanto do protagonista percebo como as práticas de auto-conhecimento são cada vez mais imprescindíveis ao bem viver consigo e com os outros. Mas, péra lá! De onde tiraremos tempo para essas práticas, se já acordamos cedo como monges para dar conta do cotidiano básico; cuidar da higiene pessoal, da limpeza da casa, da alimentação, das relações pessoais, do trabalho para se sustentar, talvez estudo e algum lazer e com tudo isso já acabamos dormindo tarde como filósofos! No caso de quem tem filhos ou cuida de alguém essa rotina pode até dobrar ou triplicar as tarefas e o dia continua tendo vinte e quatro horas, sem bônus, sem crédito.
Analisando as reais possibilidades na minha vida e das pessoas ao meu redor me parece que há algumas opções. 1. Abandonar tudo e ser monge, ou algo do gênero, e até dormir um pouco mais do que dormimos, mas viver uma vida completamente diferente. 2. Seguir uma vida de renúncia, viver com o que se tem contando para sobreviver com a ajuda financeira alheia. 3. Ou desistir definitivamente dessa história de autoconhecimento, de evolução e seguir a vida como está.
No caso da vida como está estar satisfatória; nenhum problema em desistir de se dedicar ao estudo de si, mas se a vida não está boa e há muito do que reclamar sem para isso contar com o serviço de atendimento ao consumidor; melhor dar um jeito de incorporar na rotina alguma forma de acender uma lanterna dentro de você e começar a investigar seu microcosmos. Calma, para isso você talvez não precise se tornar monge, nem renunciante. Talvez você possa manter a vida exatamente como está, só que com lentes diferentes. Essas lentes não são opcionais, são ORIGINAIS de fábrica, nasceram conosco. Apesar de, assim como alguns recursos inovadores do seu celular, você não dominar, eles continuam lá aguardando o dia em que você as domine. No início pode doer um pouco a visão olhar através dessas lentes, mas com o tempo você ficará astuto em saber qual lente de qual grau usar em cada situação. A mais potente geralmente voltada aos outros terá de se voltar a si por mais vezes, podendo a princípio causar enjoo e vertigem, já que a visão pode não ser muito agradável, especialmente se há muito tempo os espaços não recebem atenção e cuidado, talvez já se tratando de estado de calamidade pública.
Muitas vezes esse é o motivo pelo qual começamos aquelas tão sonhadas aulas de Yoga, tão desejadas sessões de massagem, de meditação e quando vemos não encontramos tempo para continuar, dá um piripaque, ou uma preguiça incrível exatamente na hora de se dirigir a esse espaço em que a lente, tipo microscópio, se volta para si. Naturalmente inconsciente ou até conscientemente, dá vontade de esquecer o mal estar interno, a bagunça no quarto escuro e a sujeira em baixo do tapete, que pode ser um pouco de inveja da amiga, uma raiva danada de algumas atitudes do filho e uma certa vontade de esganar o seu companheiro. Nada melhor que algumas horas de amenidades na TV ou Internet, para esquecer a bagunça, a escuridão e o desespero diante de tanto trabalho interno. Normal esse desespero, desânimo, preguiça em arrumar tanta bagunça com ferramentas tão distantes quanto mirabolantes. Não é tão simples se expor ao ridículo de ficar fazendo Ommmm, cantando musiquinha em língua de alienígena, em posturas engraçadas diante de pessoas o qual você não tem a mínima intimidade, e daí nesse murmúrio, nesse silencio, nessa escuridão, sozinho se deparar com a imagem do seu corpo, o mapa da sua energia, o filme dos seus pensamentos e o gráfico de suas emoções que vem e que vão em imagens intercaladas por outras que vem do passado e do futuro.
Mas, pode ficar calmo, vá devagar e sempre, apesar de parecer uma loucura continue praticando Yoga, contando sua vida à um psicólogo, lendo sobre autoconhecimento e estudando as ferramentas que o facilitam sem muita pretensão que um dia você se dará conta do quanto evoluiu. Vai perceber que as decisões estão sendo tomadas com mais clareza, que você estará se sentindo mais tranquilo diante de situações difíceis, agindo mais e reagindo menos. Manter o foco é imprescindível tanto quanto manter o relaxamento, mas é fundamental manter o máximo a atenção focada em cada momento de prática, de terapia e sempre que lembrar em cada momento da vida. É preferível comer uma fruta em contato com todas as sensações do que praticar posturas dificílimas pensando no que vai comer depois.
Então, depois de enrolar um monte, chegamos as técnicas inusitadas de autoconhecimento: faça qualquer coisa, faça tudo, sempre que lembrar com o máximo de atenção em você, em todos os seus aspectos, físico, energético, psicoemocional e espiritual. Perceba detalhes da postura que acarretam dor e desconforto, colocar mais peso em um pé no que em outro, deixar o peito fechado, encolher os ombros, franzir a testa, perceba como esses detalhes podem deixar algumas regiões mais quentes e outras mais frias, algumas regiões com mais energia e outras vazias, observe quantas vezes sorrindo você sente mal estar com a pessoa que está a sua frente, perceba como um olhar lhe deixa a vontade e outro lhe deixa inibido, perceba em que tempo você costuma viver, no passado, no presente ou no futuro. E daí as técnicas você inventa, sentir as gengivas massageadas pela escova de dente, assistir a um filme percebendo cada reação emocional sua e das pessoas ao seu redor, para perceber como podem ser diferentes as interpretações da mesma situação, observar o balanço da respiração em diversos momentos, o quanto são aproveitados os pulmões, como você age sob pressão, como você responde a um elogio, o quão fácil ou difícil é fazer um elogio e quando isso acontece qual é o seu objetivo.
Agora uma técnica bem inusitada para eu cumprir com o prometido, escolha algo para fazer que nunca pensou em fazer, desvende os motivos pelo qual nunca pensou em fazer tal coisa e descubra como se sente fazendo algo completamente inusitado, algo que provavelmente nunca fez e que lhe recordará o olhar de quando era criança em que tudo era novo! Tudo isso é autoconhecimento, o caminho de muitas filosofias orientais e ocidentais para bem viver, para evoluir. Caminho que não necessariamente exige que você pare de fazer qualquer coisa, mas que exige atenção voltada para si em tudo o que faz.